sexta-feira, agosto 24, 2018

Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. 
Tempo de absoluta depuração. 
Tempo em que não se diz mais: meu amor. 
Porque o amor resultou inútil. 
E os olhos não choram. 
E as mãos tecem apenas o rude trabalho. 
E o coração está seco. 
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. 
Ficaste sozinho, a luz apagou-se, 
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. 
És todo certeza, já não sabes sofrer. 
E nada esperas de teus amigos. 
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? 
Teus ombros suportam o mundo 
e ele não pesa mais que a mão de uma criança. 
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios 
provam apenas que a vida prossegue 
e nem todos se libertaram ainda. 
Alguns, achando bárbaro o espetáculo 
prefeririam (os delicados) morrer. 
Chegou um tempo em que não adianta morrer. 
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. 
A vida apenas, sem mistificação.
Carlos Drummond de Andrade

sábado, agosto 11, 2018



Perguntei o que ela acha de tudo isso. Ela, em vez de responder, me perguntou "Você sabe que rosa nāo fala, né?". Calei-me.
Foto e texto: Nanci Ricci

A imagem pode conter: planta, flor, atividades ao ar livre e natureza



No olhar da poça
o mundo
de ponta-cabeça.

No olhar da moça
o mundo
sem pé nem cabeça.

No olhar do velho
já não há mais poça
e agora é velha
a que antes se fez moça.


Foto: Cláudia Carvalho Neves
Texto: Nanci Ricci


A imagem pode conter: atividades ao ar livre

Descompasso  Os ponteiros do relógio não conseguem mais acompanhar a passagem das horas. Nanci Ricci